sexta-feira, 7 de abril de 2017

Perfil.....





Que nenhuma estrela queime o teu perfil
Que nenhum deus se lembre do teu nome
Que nem o vento passe onde tu passas.

Para ti criarei um dia puro
Livre como o vento e repetido
Como o florir das ondas ordenadas.

Sophia de Mello Breyner Andresen






Foto - Flores do meu jardim

quinta-feira, 6 de abril de 2017

Folhas caídas


"Umas vão e caem no charco cinzento,
e lançam apelos nas ondas que fazem,
outras vão e jazem
sem mais movimento.
Mas outras não jazem,
nem caem, nem gritam,
apenas volitam
nas dobras do vento.

É dessas que eu sou."

António Gedeão








Foto - Parque Nacional de Itatiaia

quarta-feira, 5 de abril de 2017

Necessito do mar.....


Necessito do mar porque me ensina:
não sei se aprendo música ou consciência:
não sei se é onda ou onde ou ser profundo
somente rouca voz ou deslumbrante
suposição de peixes e navios.
O fato é que até quando estou dormindo
de algum modo magnético circulo
na universidade do marulho.

Não somente conchas trituradas
como se algum planeta estremecido
participara paulatina morte,
não, do fragmento reconstruo este dia,
de um cavaco de sal e estalactite
de uma colherada o deus imenso.

O que antes me ensinou eu guardo! É ar,
um incessante vento de água e areia.

Parece pouco para um homem jovem
que aqui chegou para viver seus incêndios,
e no entanto era um pulso que subia
e descia ao seu abismo,
o frio do azul que crepitava,
o desmoronamento de uma estrela,
o terno desprender-se de uma onda
desperdiçando neve com a espuma,
o poder quieto, ali, determinado
como um trono de pedra no profundo,
substituiu o lugar que acreditavam
tristeza tenaz, amontoando olvido,
bruscamente mudou minha existência:
minha adesão ao puro movimento.

Pablo Neruda









Foto - Trindade, Paraty/RJ

terça-feira, 4 de abril de 2017

Sísifo


Recomeça…
Se puderes,
Sem angústia e sem pressa.
E os passos que deres,
Nesse caminho duro
Do futuro,
Dá-os em liberdade.
Enquanto não alcances
Não descanses.

De nenhum fruto queiras só metade.

E, nunca saciado,
Vai colhendo
Ilusões sucessivas no pomar
E vendo
Acordado,
O logro da aventura.
És homem, não te esqueças!
Só é tua a loucura
Onde, com lucidez, te reconheças.

Miguel Torga, Diário XIII




Foto - Pinha na Serrinha do Alambari