sexta-feira, 19 de maio de 2017

Se você abre uma porta....


Se você abre uma porta, você pode ou não entrar em uma nova sala. Você pode não entrar e ficar observando a vida. Mas se você vence a dúvida, o temor, e entra, dá um grande passo: nesta sala vive-se! Mas, também, tem um preço... São inúmeras outras portas que você descobre. Às vezes curte-se mil e uma. O grande segredo é saber quando e qual porta deve ser aberta. A vida não é rigorosa, ela propicia erros e acertos. Os erros podem ser transformados em acertos quando com eles se aprende. Não existe a segurança do acerto eterno.

A vida é generosa, a cada sala que se vive, descobre-se tantas outras portas. E a vida enriquece quem se arrisca a abrir novas portas. Ela privilegia quem descobre seus segredos e generosamente oferece afortunadas portas. Mas a vida também pode ser dura e severa. Se você não ultrapassar a porta, terá sempre a mesma porta pela frente. É a repetição perante a criação, é a monotonia monocromática perante a multiplicidade das cores, é a estagnação da vida... Para a vida, as portas não são obstáculos, mas diferentes passagens!
Içami Tiba




Foto - Fazenda Morada do Castelo, Resende/RJ

quinta-feira, 18 de maio de 2017

O Poço

Cais, às vezes, afundas
em teu fosso de silêncio,

em teu abismo de orgulhosa cólera,
e mal consegues
voltar, trazendo restos
do que achaste
pelas profunduras da tua existência.

Meu amor, o que encontras

em teu poço fechado?
Algas, pântanos, rochas?
O que vês, de olhos cegos,
rancorosa e ferida?

Não acharás, amor,

no poço em que cais
o que na altura guardo para ti:
um ramo de jasmins todo orvalhado,
um beijo mais profundo que esse abismo.

Não me temas, não caias

de novo em teu rancor.
Sacode a minha palavra que te veio ferir
e deixa que ela voe pela janela aberta.
Ela voltará a ferir-me
sem que tu a dirijas,
porque foi carregada com um instante duro
e esse instante será desarmado em meu peito.

Radiosa me sorri

se minha boca fere.
Não sou um pastor doce
como em contos de fadas,
mas um lenhador que comparte contigo
terras, vento e espinhos das montanhas.

Dá-me amor, me sorri

e me ajuda a ser bom.
Não te firas em mim, seria inútil,
não me firas a mim porque te feres.


Pablo Neruda






Foto - Visconde de Mauá, Resende/RJ

terça-feira, 16 de maio de 2017

Passei o dia ouvindo o que o mar dizia....



Eu ontem passei o dia
Ouvindo o que o mar dizia.

Choramos, rimos, cantamos.

Falou-me do seu destino,
Do seu fado...

Depois, para se alegrar,
Ergueu-se, e bailando, e rindo,
Pôs-se a cantar
Um canto molhado e lindo.

O seu halito perfuma,
E o seu perfume faz mal!

Deserto de águas sem fim.

Ó sepultura da minha raça
Quando me guardas a mim?...

Ele afastou-se calado;
Eu afastei-me mais triste,
Mais doente, mais cansado...

Ao longe o Sol na agonia
De roxo as águas tingia.

«Voz do mar, misteriosa;
Voz do amor e da verdade!
- Ó voz moribunda e dôce
Da minha grande Saudade!
Voz amarga de quem fica,
Trémula voz de quem parte...»

E os poetas a cantar
São ecos da voz do mar!

António Botto, in 'Canções' 







Foto - Trindade,RJ

segunda-feira, 15 de maio de 2017

Portas fechadas...


Eu acho que dentro de nós há um espesso sistema de corredores e de portas fechadas. Nós próprios não abrimos todas as portas, porque suspeitamos que o que há do outro lado não será agradável de ver (...) Vivemos numa espécie de alarme em relação a nós mesmos, que talvez seja não querermos saber quem somos na realidade.”

José Saramago 







Foto -  Guimarães, Portugal